terça-feira, 20 de março de 2012

Um marco esquecido na história


Venício A. de Lima (*)
Nos 50 anos da UnB, para o prof. José Salomão David Amorim.
No ainda inédito e valioso depoimento que escreveu sob o título Anos setenta: a UnB e a definição das políticas de comunicação no Brasil (a ser publicado pela Editora da UnB), o professor Marco Antonio Rodrigues Dias – ex-professor, chefe do antigo Departamento de Comunicação (COM), decano de Extensão e vice-reitor – lembra:
“[a posição do Ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira] começou a despertar o interesse dos cursos de comunicação pelo país afora e teve um impacto espetacular quando o ministro, em agosto de 1975, abriu, na UnB, um seminário latino-americano de comunicação, na presença dos maiores especialistas e estudiosos da comunicação naquela época em vários países da América Latina” (grifo nosso).
Embora muito mais seja dito sobre a importância histórica do ministro Quandt de Oliveira e do grupo de professores-pesquisadores em comunicação da UnB, à época, o professor Marco Antonio nada mais acrescenta sobre o “seminário latino americano de comunicação”.
No portal da UnB, a página da Faculdade de Comunicação faz apenas um breve registro do referido seminário:
Aos poucos o Departamento começa a dar os primeiros passos fora do campus. O primeiro foi o inicio, em julho de 1974, do Programa de Mestrado (...). O outro acontecimento importante foi a realização, em 1975, na UnB, do I Seminário Latino-Americano de Comunicação, sobre “Comunicação e Desenvolvimento”, do qual participaram especialistas de renome nacional e internacional (ver aqui).
Este artigo pretende registrar o significado singular que o referido seminário teve (1) como referência para o debate sobre políticas públicas de comunicações; e (2) na pesquisa da comunicação, tanto no Brasil como na América Latina.
O contexto dos anos 1970
Primeiro é preciso lembrar que vivíamos tempos sombrios. Era o início do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) com promessas de abertura política, resistência dos militares da chamada “linha-dura” e violenta repressão aos movimentos de oposição à ditadura. O clima de insegurança se refletia, por óbvio, na atividade acadêmica, sobretudo, na Arquitetura e na Comunicação, historicamente vistas pelos órgãos de segurança – internos e externos – como áreas “problemáticas” na UnB.
Em artigo anterior, relatei um encontro acontecido, por iniciativa da Globo, na UnB (1975), entre professores do COM e altos dirigentes do poderoso grupo de mídia, entre eles Walter Clark (diretor geral), Luiz Eduardo Borgerth (diretor), Otto Lara Resende (assessor da presidência), infelizmente já falecidos. O encontro tinha por objetivo “trocar idéias sobre as comunicações no Brasil”.Lembrei, então, o contexto em que o encontro ocorreu, pontuando, dentre outros:
** O Ministro das Comunicações (Quandt de Oliveira) vinha fazendo uma série de críticas públicas à televisão brasileira, todas de grande repercussão. Uma delas, a aula inaugural no curso de comunicação do CEUB, Centro de Ensino Unificado de Brasília, sobre “A televisão no Brasil” (17/2/1975). Na sua fala ele destacava os “perigos do monopólio” tanto de canais, quanto de audiência, quanto na programação “alienígena”.
** Estava em andamento a criação da Radiobras [Lei n. 6301 de 15/12/1975] que era vista com desconfiança pela Globo temerosa de que se transformasse em destinação preferencial de verbas publicitárias do governo.
** Estava em discussão, dentro do governo, um pré-projeto de regulação da radiodifusão que deveria substituir o [já àquela época] superado Código Brasileiro de Telecomunicações [Lei 4. 117/1962].
** O Departamento de Comunicação da UnB era uma unidade acadêmica que produzia pesquisa crítica sobre a radiodifusão brasileira e acabara de elaborar um pioneiro projeto de unificação das televisões públicas que recebeu o nome de SINTIS, Sistema Nacional de Televisão de Interesse Social. Além disso, circulava que alguns de seus professores tinham acesso ao ministro das Comunicações e o abasteciam com dados nos quais ele fundamentava sua posição, direta e/ou indiretamente, contrária à hegemonia da Globo.
No campo das comunicações, este foi também o período em que começava a ganhar corpo internacionalmente o debate sobre as políticas nacionais de comunicação e a Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic), que provocou a crise que resultou na saída dos EUA (1984) e da Inglaterra (1985) da Unesco (ver “Ideia é relançada 30 anos depois“).
O COM havia iniciado no ano anterior (2º semestre de 1974) o seu programa de mestrado em Comunicação, apenas o quarto a funcionar no país – depois da USP, da PUC-SP e da UFRJ. Apesar de conter um componente de desenvolvimento rural ligado à presença de pesquisadores externos que colaboraram no seu planejamento, o convite a professores visitantes de diferentes orientações teóricas – e o fato de estar em Brasília – fez com que o viés das políticas públicas de comunicação também se vinculasse ao programa. Ademais, já existia um forte conteúdo crítico no COM, expresso na posição antioligopolista e de defesa do conteúdo nacional na radiodifusão brasileira sustentada publicamente por vários de seus professores.
O Seminário Latino Americano de Comunicação
A idéia de se realizar um grande evento acadêmico na área de comunicação havia surgido originalmente para marcar o início do funcionamento do programa de mestrado. Como isso não fora possível, quando o programa completava seu primeiro ano de funcionamento, organizou-se o Seminário Latino Americano de Comunicação (SLAC)que aconteceu na semana entre 24 a 29 de agosto de 1975, no Auditório Dois Candangos.
O pouco tempo de funcionamento do mestrado tinha deixado clara a quase inexistência de reflexões locais e regionais sobre as questões de comunicação. Naquela época, por exemplo, o trabalho pioneiro de crítica ao extensionismo rural e de teorização sobre a comunicação dialógica que Paulo Freire havia começado a desenvolver no Chile era praticamente desconhecido entre nós. Tornava-se imperativo, portanto, valorizar as experiências latino-americanas e criar um referencial prático e teórico que expressasse a realidade social e cultural da região.
Um dos objetivos do SLAC era exatamente reunir os principais pesquisadores da comunicação na América Latina e refletir criticamente sobre a pesquisa e o ensino da comunicação, sobretudo, em nível de pós-graduação. Foram convidados e estiveram no SLAC Antonio Pasquali (Venezuela), Juan Dias Bordenave (Paraguai), Luiz Ramiro Beltrán (Colômbia), Manoel Calvelo Rios (Peru) e Marco Ordoñez (Equador). Veio também Alberto Obligado Nasar, argentino, à época subdiretor geral de informação da Unesco. Entre os brasileiros, além dos professores do COM, estiveram presentes Gabriel Cohn (USP), Muniz Sodré (UFRJ), Eduardo Diatay (UFCE) e representantes do CNPq e da Embrapa que discutiram os desafios da pós-graduação nas ciências humanas em países como o Brasil.
Estiveram também presentes o ministro das Comunicações e um representante da Secretaria de Planejamento da Presidência da República para discutir o II Plano Nacional de Desenvolvimento.
O discurso de abertura do SLAC, pronunciado pelo ministro das Comunicações, teve grande repercussão pública. Quandt de Oliveira era o símbolo de importantes contradições que, àquela altura, existiam no interior do regime autoritário. Ao contrário de seus antecessores, questionava diretamente o controle da mídia, sobretudo da radiodifusão, por uns poucos grupos privados. Em sintonia com questões que estavam sendo levantadas, à época, na Unesco, perguntou:
“Possuímos meios de comunicação de massa em quantidade suficiente para atender as nossas necessidades? De que maneira estão distribuídos os meios de comunicação de massa? Essa distribuição é homogênea em todo o país ou revela desequilíbrios que devem ser corrigidos? Finalmente, qual é a natureza do conteúdo dos meios de comunicação? Este conteúdo é relevante para o desenvolvimento do país ou é composto de material predominantemente trivial, banal?”
A resposta às questões levantadas pelo ministro, por óbvio, era negativa e foi oferecida no próprio seminário. O professor Marco Antonio, por exemplo, que falou dois dias depois, sugeriu:
“A definição de uma política nacional de comunicação é crucial, pois, de acordo com sua motivação, os veículos de massa poderão servir, prioritariamente, a uma finalidade social e cultural ou poderão ter objetivos meramente comerciais, servindo apenas de instrumentos de marketing para melhorar as vendas de determinados produtos. E, neste caso, falar de produção nacional ou estrangeira deixa de ter sentido. (...) O estudo sobre o novo Código Postal e de Telecomunicações é também de fundamental importância. Espera-se que a nova legislação a ser proposta pelo Executivo e discutida pelo Legislativo dê força de lei a princípios e medidas que garantam o uso social dos meios de comunicação. Entre estas, destacam-se: (1) consolidação da adoção do sistema misto de radiodifusão, devendo colaborar todos, governo e grupos privados, no esforço para atingir o desenvolvimento social; (2) medidas que visam a enfraquecer a tendência da concentração da propriedade e da produção e (3) defesa dos valores da cultura nacional, através da obrigatoriedade de porcentagem significativa de produção nacional na programação.”
Inexplicavelmente, a coletânea dos textos apresentados ao longo do SLAC, que deveria ter sido publicada em livro, se perdeu no COM. Hoje, salvo uns poucos originais, não há registro da riqueza das contribuições oferecidas.
A criação de uma associação de pesquisadores
Outro resultado do SLAC foi o nascimento do embrião da Associação Latino Americana de Pesquisadores da Comunicação (Alaic), que viria a ser criada três anos depois em Caracas, na Venezuela.
No último dia do SLAC, 29 de agosto, reuniram-se os pesquisadores Antonio Pasquali (Ininco, Venezuela), José Salomão David Amorim (Abepec, Brasil), Juan Dias Bordenave (Iica), Luiz Ramiro Beltrán (Cida, Colombia), Lytton Guimarães (UnB), Manoel Calvelo Rios (FAO, Peru), Marco Ordoñez (Ciespal, Equador), Ubirajara da Silva (UnB), Venício A. de Lima (UnB) e Vicente Alba (IICA e Embrapa, Brasil) e decidiram criar o “Comitê Latino Americano de Pesquisadores em Comunicação Social”. A secretaria executiva seria na sede do Ciespal, o presidente o professor Salomão Amorim e o secretario executivo, Marco Ordoñez.
Na ocasião foi redigida uma ata, subscrita tanto pelo professor Salomão quanto por Marco Ordoñez, que diagnosticava a situação da pesquisa em comunicação na América Latina pela “falta de planificação, de coordenação e de intercâmbio”. Essa situação, portanto, “configura a necessidade de se criar uma entidade destinada a sanar estes inconvenientes”. Além disso, a Ata registrava, dentre outros, os seguintes propósitos do Comitê:
** racionalizar e tornar congruentes os trabalhos de investigação que, neste setor, se realizam na América Latina;
** planificar, na medida do possível, a pesquisa regional em comunicação social;
** favorecer o intercâmbio de experiências e determinar, de comum acordo, sistemas de prioridades;
** favorecer, por todos os meios, a formulação, execução e avaliação das políticas nacionais de comunicação.
É interessante observar que, no portal da própria Alaic, não se encontra qualquer informação sobre a história de criação da entidade.
Por outro lado, em entrevista concedida em 1999, a ex-presidente da Alaic, professora. Margarida Kunsch, afirma:
“A Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación – Alaic – foi fundada em novembro de 1978, em Caracas, Venezuela. Ela surgiu graças à iniciativa de um grupo de pesquisadores (Antonio Pasquali, Luis Ramiro Beltrán, Jesus Martín-Barbero, Alejandro Alfonso, Marco Ordoñez, entre outros), que vislumbraram a importância e a necessidade da comunidade acadêmica de comunicação na América Latina se articular” (ver aqui).
Não há, portanto, qualquer menção ao Comitê ou ao encontro em Brasília, três anos antes, do qual participaram pelo menos três dos pesquisadores explicitamente mencionados como “pais” da iniciativa, isto é, Antonio Pasquali, Luis Ramiro Beltrán e Marco Ordoñez.
Lições para o presente
O SLAC foi pioneiro e ajudou a introduzir as políticas nacionais de comunicação como pauta de interesse público. Trinta e sete anos depois, elas continuam mais que necessárias e boicotadas na agenda da grande mídia. Questões e propostas colocadas na década de 1970, apesar das normas e princípios inseridos na Constituição de 1988, persistem sem solução. Na verdade, políticas nacionais de comunicação ainda constituem um tabu. Basta considerar que não temos, em 2012, um projeto de marco regulatório para o setor de comunicações.
Da mesma forma, os propósitos do Comitê Latino Americano de Pesquisadores continuam incrivelmente atuais. A regulação democrática da mídia que vem ocorrendo em vários países nossos vizinhos precisa ser estudada aqui e o intercâmbio e a integração da pesquisa nunca foram tão necessários.
Recorro ao que escrevi em relação a outra memória singular do COM-UnB (ver “Relato de uma experiência, 40 anos depois“): a experiência – assim como a memória, diria Pedro Nava – é um farol que ilumina para trás. Mesmo assim, o registro de ambas faz parte da reafirmação de nossa própria identidade e se torna necessário, pelo menos, para nós mesmos.
Chefe do COM à época da realização do Seminário Latino Americano de Comunicação,ex-professor e ex-coordenador do programa de mestrado em Comunicação, busco resgatar não só a memória de um importante evento esquecido, como, sobretudo, prestar uma homenagem aos colegas, funcionários e alunos que trabalharam duramente para que tudo isso acontecesse em tempos e circunstâncias adversas.
Essa é também, acredito, uma maneira de celebrar os primeiros cinquenta anos da Universidade de Brasília.


***
[Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, entre outros livros, de Regulação das Comunicações – História, Poder e Direitos; Paulus, 2011]

* Artigo originalmente publicado pelo Observatório da Imprensa em 20 de março de 2012.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Senado aprova texto que define regra para direito de resposta


FOLHA DE S. PAULO, 15 de março de 2012


Se não houver recurso de ao menos oito senadores para votação em plenário, projeto irá para análise da Câmara
Direito já é assegurado pela Constituição, mas está sem regulação desde revogação da Lei de Imprensa, em 2009

 DE BRASÍLIA


O Senado aprovou ontem projeto que regulamenta o direito de resposta na imprensa para pessoas ou entidades que se sentirem ofendidas pelo conteúdo publicado.

O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e só irá a plenário se houver recurso de ao menos oito senadores. Caso contrário, segue para a Câmara.

O projeto estabelece o prazo de 60 dias para o ofendido pedir a resposta ao veículo de imprensa, contado a partir da publicação da reportagem.

A empresa jornalística tem sete dias para responder. Se recusar o pedido, pode sofrer ação para publicar a resposta, além de pagamento de indenização por danos morais.

O juiz tem 30 dias para tomar decisão. Mesmo com a eventual publicação da resposta, o projeto determina que a ação por danos morais continue a tramitar na Justiça. Não há prazo fixado no projeto para a publicação da resposta pela imprensa.

A Constituição Federal já assegura o direito de resposta em seu artigo 5º, ao determinar que ele deve ser "proporcional ao agravo", com indenização por "dano material, moral ou à imagem". Mas não define regras para a sua aplicação.

A regulamentação do direito de resposta era um dos artigos da Lei de Imprensa, revogada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2009. Desde então, não houve uma nova lei sobre o tema.

O projeto mantém a obrigatoriedade para que a resposta seja gratuita e proporcional à reportagem que gerou a retratação -nos casos em que seu conteúdo tiver atentado contra "honra, intimidade, reputação, conceito, nome, marca ou imagem".

A exceção ao direito de resposta vale para comentários de usuários na internet ou nos demais veículos.
Pelo texto, deve ser concedido o mesmo espaço à resposta da reportagem que resultou no processo, no mesmo veículo e no horário em que foi veiculada.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) não se manifestou e deve divulgar uma nota hoje sobre o tema.


(GABRIELA GUERREIRO)

terça-feira, 13 de março de 2012

Direito de resposta pode ser regulamentado esta semana pelo Senado


O Senado Federal poderá votar ainda esta semana o projeto de lei do senador Roberto Requião (PMDB-PR), que regulamenta o direito de resposta na imprensa. O projeto está na pauta de votações da Comissão de Constituição e Justiça, em caráter terminativo.

Com o fim da Lei de Imprensa, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a interpretação do direito de resposta, previsto constitucionalmente, ficou dependendo do arbítrio dos juízes. O projeto de Requião recupera o detalhamento de sua aplicação.

De acordo com o projeto, o direito de resposta será “gratuito e proporcional” à ofensa, se o conteúdo da matéria atentar contra a "honra, intimidade, reputação, conceito, nome, marca ou imagem" do ofendido. É claro que se houver retratação ou retificação espontânea do veículo, o direito de resposta não precisará ser concedido, independentemente do trâmite das ações por dano moral.

O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, Pedro Taques (PDT-MT) é favorável ao projeto de Requião, com ressalvas pouco significativas. Se o projeto for aprovado na Comissão e não houver recursos, a matéria não precisará ser votada em plenário.

Abaixo, o texto do projeto.

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 141, DE 2011 

Dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido por matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei disciplina o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.

Art. 2º Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social fica assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social independentemente do meio ou plataforma de distribuição, publicação ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação.

§ 2º Ficam excluídos da definição de matéria estabelecida no § 1º deste artigo os meros comentários realizados por usuários de Internet nas páginas eletrônicas dos veículos de comunicação social.

§ 3º A retratação ou retificação espontânea, a que sejam conferidos os mesmos destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo, impede o exercício do direito de resposta, mas não prejudica a ação de reparação por dano moral.
Art. 3º O direito de resposta ou retificação deve ser exercido no prazo decadencial de sessenta dias, contado da data da última divulgação, publicação ou transmissão da matéria ofensiva, mediante correspondência com aviso de recebimento encaminhada diretamente ao veículo de comunicação social ou, inexistindo pessoa jurídica constituída, a quem por ele responda, independentemente de quem seja o responsável intelectual pelo agravo.

§ 1º O direito de resposta ou retificação poderá ser exercido, de forma individualizada, em face de todos os veículos de comunicação social que tenham divulgado, publicado ou republicado, transmitido ou retransmitido, o agravo original.

§ 2º O direito de resposta ou retificação poderá ser exercido, também, conforme o caso:

I – pelo representante legal do ofendido incapaz ou da pessoa jurídica;

II – pelo cônjuge, descendente, ascendente ou irmão do ofendido que esteja ausente do País ou tenha falecido depois do agravo, mas antes de decorrido o prazo de decadência do direito de resposta ou retificação.

Art. 4º A resposta ou retificação atenderão, quanto à forma e à duração, ao seguinte:

I – praticado o agravo em mídia escrita ou na Internet, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a dimensão da matéria que a ensejou;

II – praticado o agravo em mídia televisiva, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou, acrescida de três minutos;

III – praticado o agravo em mídia radiofônica, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou, acrescida de dez minutos.

§ 1º Se o agravo tiver sido divulgado, publicado ou republicado, transmitido ou retransmitido, em mídia escrita ou em cadeia de rádio ou televisão para mais de um município ou Estado, idêntico alcance será conferido à divulgação da resposta ou retificação.

§ 2º O ofendido poderá requerer que a resposta ou retificação seja divulgada, publicada ou transmitida no mesmo espaço, dia da semana e horário do agravo.

§ 3º A resposta ou retificação cuja divulgação, publicação ou transmissão não obedeça ao disposto nesta Lei é considerada inexistente.

Art. 5º Se o veículo de comunicação social ou quem por ele responda não divulgar, publicar ou transmitir a resposta ou retificação no prazo de sete dias, contado do recebimento do respectivo pedido, na forma do art. 3º, o ofendido poderá demandá-lo em juízo.

§ 1º É competente para conhecer do feito o juízo do domicílio do ofendido ou, se este assim o preferir, aquele do lugar onde o agravo tenha apresentado maior repercussão.

§ 2º A ação de rito especial de que trata esta Lei será instruída com as provas do agravo e do pedido de resposta ou retificação não atendido, bem como com o texto da resposta ou retificação a ser divulgado, publicado ou transmitido, sob pena de inépcia da inicial, e processada no prazo máximo de trinta dias, vedados:

I – a cumulação de pedidos;

II – a reconvenção;

III – o litisconsórcio, a assistência e a intervenção de terceiros.

§ 3º Tratando-se de veículo de mídia televisiva ou radiofônica, o ofendido poderá requerer o direito de dar a resposta ou fazer a retificação pessoalmente.

Art. 6º Recebido o pedido de resposta ou retificação, o juiz, dentro de vinte e quatro horas, mandará citar o responsável pelo veículo de comunicação social para que:

I – em igual prazo, apresente as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu;

II – no prazo de três dias, ofereça contestação, que deverá limitar-se à demonstração da veracidade das informações divulgadas, publicadas ou transmitidas, observado o seguinte:

a) tratando-se de calúnia, a prova da verdade somente se admitirá se o ofendido tiver contra si sentença penal condenatória transitada em julgado;

b) tratando-se de difamação, a prova da verdade somente se admitirá se:

1 – o ofendido for funcionário público e a ofensa relativa ao exercício de suas funções;

2 – o ofendido for órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;

3 – o ofendido permitir a prova.

Parágrafo único. O agravo consistente em injúria não admitirá a prova da verdade.

Art. 7º O juiz, nas vinte e quatro horas seguintes à citação, tenha ou não se manifestado o responsável pelo veículo de comunicação, conhecerá do pedido e, havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, fixará desde logo a data e demais condições para a veiculação da resposta ou retificação em prazo não superior a dez dias.

§ 1º Se o agravo tiver sido divulgado ou publicado por veículo de mídia impressa cuja circulação seja semanal, quinzenal ou mensal, a resposta ou retificação será divulgada em edição extraordinária ou na edição seguinte à da ofensa.

§ 2º A medida antecipatória a que se refere o caput deste artigo poderá ser reconsiderada ou modificada a qualquer momento, em decisão fundamentada.

§ 3º O juiz poderá, a qualquer tempo, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, bem como modificar-lhe o valor ou a periodicidade, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

§ 4º Para a efetivação da tutela específica de que trata esta Lei, poderá o juiz, de ofício ou mediante requerimento, adotar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso, remoção de pessoas e coisas, aquisição de equipamento e suspensão das atividades do veículo de comunicação, se necessário com requisição de força policial.

§ 5º A suspensão das atividades do veículo de comunicação a que se refere o § 4º deste artigo não será determinada por prazo superior a noventa dias.

Art. 8º Será recusada a divulgação, publicação ou transmissão de resposta ou retificação:

I – que não tenha relação com as informações contidas na matéria a que pretende responder;

II – que pretenda refutar informações ou declarações baseadas em inquéritos, procedimentos ou processos, administrativos ou judiciais, em curso, desde que não sejam reservados, sigilosos ou façam juízo de condenação;

III – que contenha expressões caluniosas, difamatórias ou injuriosas a respeito do veículo de comunicação social que tenha divulgado, publicado ou transmitido o agravo, bem como sobre seus responsáveis ou terceiros;

IV – que se refira a terceiros, em condições que criem para estes igual direito de resposta;

V – que vise a rebater matéria crítica às leis e atos do Poder Legislativo ou destinada a demonstrar sua inconveniência ou inoportunidade;

VI – que tenha por objeto:

a) a crítica literária, teatral, artística, científica ou desportiva, salvo se esta contiver calúnia, difamação ou injúria.

b) a reprodução, integral ou resumida, de relatórios, pareceres, decisões ou atos proferidos pelos órgãos das Casas legislativas, desde que a matéria não seja reservada ou sigilosa;

c) a reprodução integral, parcial ou abreviada, a notícia, crônica ou resenha dos debates escritos ou orais, perante juízes e tribunais, bem como a divulgação de despachos e sentenças e de tudo quanto for ordenado ou comunicado por autoridades judiciais;

d) a divulgação de articulados, quotas ou alegações produzidas em juízo pelas partes ou seus procuradores;

e) a divulgação, a discussão e a crítica de atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes, desde que não se trate de matéria de natureza reservada ou sigilosa.

Art. 9º O juiz prolatará a sentença no prazo máximo de trinta dias, contado do ajuizamento da ação, salvo na hipótese de conversão do pedido em reparação por perdas e danos.

Parágrafo único. As ações judiciais destinadas a garantir a efetividade do direito de resposta ou retificação previsto nesta Lei processam-se durante as férias forenses e não se suspendem pela superveniência delas.

Art. 10. Das decisões proferidas nos processos submetidos ao rito especial estabelecido nesta Lei cabem recursos sem efeito suspensivo.

Art. 11. A gratuidade da resposta ou retificação divulgada pelo veículo de comunicação não abrange as custas processuais nem exime o autor do ônus da sucumbência.

Parágrafo único. Incluem-se entre os ônus da sucumbência os custos com a divulgação, publicação ou transmissão da resposta ou retificação, caso a decisão judicial favorável ao autor seja reformada em definitivo.

Art. 12. Os pedidos de reparação ou indenização por danos morais, materiais ou à imagem serão deduzidos em ação própria, salvo se o autor, desistindo expressamente da tutela específica de que trata esta Lei, os requerer, caso em que processo seguirá pelo rito ordinário.

§ 1º O ajuizamento de ação cível ou penal contra o veículo de comunicação ou seu responsável com fundamento na divulgação, publicação ou transmissão ofensiva não prejudica o exercício administrativo ou judicial do direito de resposta ou retificação previsto nesta Lei.

§ 2º A reparação ou indenização dar-se-á sem prejuízo da multa a que se refere o § 3º do art. 7º.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A proposição que ora submetemos à apreciação desta Casa tem por objetivo oferecer rito especial e célere às respostas a ofensas levadas à mídia, que, até o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130 pelo Supremo Tribunal Federal, eram submetidas à Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967).

A propósito, em boa hora nossa Suprema Corte considerou incompatível com o texto constitucional a mencionada Lei de Imprensa. Tratava-se de diploma anacrônico, concebido sob os influxos de um período autoritário e de aplicabilidade praticamente nula. De fato, sempre sobressaíram suas inconformidades com a Constituição em vigor e seus preceitos democráticos, libertários e igualitários.

Consideramos, porém, que a retirada do diploma legal do ordenamento jurídico deixou um vácuo que precisa ser preenchido com um novo marco normativo. Consentâneo com a atual ordem constitucional, esse novo regramento se faz necessário a fim de que sejam adequadamente disciplinadas as relações da mídia com a sociedade, de forma a assegurar justiça e segurança jurídica.

Referimo-nos particularmente às regras que disciplinam o direito de resposta do ofendido. Em nosso entendimento, conquanto assegurado no plano constitucional, esse direito necessita de normas infraconstitucionais de organização e procedimento que tornem possível seu efetivo exercício.
Consideramos que os Códigos Civil e Penal não têm detalhamento suficiente para a especificidade dessa demanda.

Nesse sentido, o projeto que ora apresentamos à consideração dos ilustres pares tem por escopo tornar possível o que era praticamente inviável sob a égide da Lei nº 5.250, de 1967: impedir que os agravos veiculados pela mídia, em qualquer de suas modalidades, permaneçam impunes. Nesse sentido, presta uma homenagem ao princípio do contraditório (art. 5º, LV, da Constituição), ao garantir ao ofendido a possibilidade de apresentar dialeticamente as suas razões, a bem da veracidade das informações, da segurança jurídica e da paz social.

Cumpre esclarecer que a proposição busca dar concretude ao disposto no inciso V do art. 5º constitucional:

Art. 5º .........................................................................
.....................................................................................
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
.....................................................................................

E porque a resposta constitui direito fundamental, não se deve admitir obstruções que impeçam o seu pleno exercício. Trata-se de conferir a um direito fundamental a eficácia e a efetividade que dele se esperam, consoante o § 1º do art. 5º da Constituição: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

São essas as razões que justificam a apresentação deste projeto de lei.
Sala das Sessões, em 5 de abril de 2011.

Senador ROBERTO REQUIÃO(PMDB/PR)
LEGISLAÇÃO CITADA:

LEI Nº 5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967

Regula a liberdade de rnanifestação do pensamento e de informação.
.........................................................................................................................
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
TÍTULO IIDos Direitos e Garantias FundamentaisCAPÍTULO IDOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]


V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

O tamanho do nosso atraso


Venício A. de Lima (*)
O povo inglês merece uma imprensa que assuma suas responsabilidades seriamente e exerça os padrões profissionais reconhecendo que a liberdade  preciosa de que desfruta é um privilégio, não um direito divino.
Lord David Hunt, chairman da Press Complaints Commission (cf. The Guardian, em 9/3/2012)
A Comissão de Reclamações sobre a Imprensa (Press Complaints Commission, ou PCC, na sigla em inglês), criada por empresários de jornais e revistas, é a agência autorreguladora da imprensa no Reino Unido, em funcionamento desde 1991. Na arquitetura institucional para o setor de comunicações naquele país, além da PCC, existe a OFCOM, autoridade independente e reguladora para as indústrias de comunicações.
O escândalo relativo ao comportamento criminoso do tabloide News of the World, do grupo News Corporation, revelado em novembro de 2011, provocou não só a instalação de uma comissão judicial para apurar e sugerir medidas para evitar a repetição dos fatos como também uma indignação generalizada quanto à ineficiência da agência autorreguladora.
Antecipando-se às recomendações da comissão judicial, a PCC anunciou no dia 8 de fevereiro sua descontinuidade, para dar lugar a outra agência com poderes de interferência mais eficazes. Nas palavras do chairman da PCC, o Reino Unido terá “pela primeira vez um órgão regulatório da imprensa com dentes", embora não tenha divulgado os poderes e o mandato da nova agência.
Na verdade, a promessa de uma agência autorreguladora “com dentes” responde à acusação feita em depoimento à comissão judicial pela escritora J.K. Rowling, autora de Harry Potter. Ela afirmou ser a PCC uma agência “sem dentes”, isto é, sem poder efetivo de ação para coibir os desvios profissionais e éticos da imprensa.
E o Brasil?
O registro do que se passa hoje na Inglaterra, berço do liberalismo e de algumas das referências clássicas sobre a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa, nos ajuda a entender o atraso secular em que nos encontramos quando se trata de regulação (ou autorregulação) no campo das comunicações.
Três exemplos:
1. À exceção do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) – “organização não governamental que visa impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas” –, não existe órgão autorregulador para nenhum setor da mídia no Brasil. Mesmo assim, recente recurso ao Conar feito pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (aliás, não acolhido) provocou irados e violentos editoriais e artigos na grande mídia, sob acusação de interferência estatal, censura e fundamentalismo conservador. (**)
2. A Lei nº 12.485/2011, que muito timidamente estabeleceu cotas para a produção nacional na televisão paga, foi recentemente objeto de campanha publicitária do grupo SKY – leia-se Direct TV e Globo –, que utilizou o falso argumento de que a Agência Nacional de Cinema (Ancine) estaria querendo tomar das mãos dos assinantes o controle remoto e decidir por ele qual a programação a ser vista. Além de um desrespeito à inteligência do assinante, uma operadora estrangeira, associada ao maior grupo de mídia brasileiro, se rebela publicamente contra uma lei cujo projeto tramitou por mais de quatro anos no Congresso Nacional. Tudo porque são estabelecidas normas de proteção ao conteúdo nacional, aliás, existentes nas democracias contemporâneas que supostamente servem de modelo para a nossa.
3. E, por fim, a impossibilidade da imensa maioria dos brasileiros de acompanhar as partidas de seus times na Copa Libertadores das Américas, o principal torneio de futebol da América Latina. O oligopólio no setor de TV paga e os interesses de seus poucos grupos dominantes – exatamente a SKY e a NET (ambas associadas à Globo) – continuam a contrariar a conhecida máxima do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Byron White, estabelecida 43 anos atrás: “É o direito dos espectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano”.
Por favor, leitor (a), julgue você mesmo (a) o tamanho do nosso atraso.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, entre outros livros, de Regulação das Comunicações – História, Poder e Direitos; Paulus, 2011
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* Artigo publicado na revista Teoria e Debate em 13 de março de 2012. 
** Tratou-se de um anúncio da marca de calcinhas Hope estrelado pela modelo Gisele Bündchen

terça-feira, 6 de março de 2012

CCS-DF - Lições de um processo em andamento

Por Venício A. de Lima em 06/03/2012 na edição 684 do Observatório da Imprensa



A aprovação pela Assembleia Legislativa do Ceará, em outubro de 2010, de um “Projeto de Indicação” recomendando ao governador a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social (CECS), apesar de não acolhida detonou uma onda de reações em torno das políticas de comunicação no país. A primeira, foi a homogênea repulsa que a recomendação recebeu por parte da grande mídia regional e nacional. Por outro lado, a iniciativa recolocou na pauta pública um tema fundamental, isto é, a criação dos CECS.
A criação de conselhos de comunicação, no âmbito nacional, estadual, distrital e municipal “como instâncias de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicações no país”, haviasido uma das propostas aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009. Todavia, 21 anos antes, a Constituição de 1988 (CF-88) já determinava em seu artigo 224:
Artigo 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo [Capítulo V, Da Comunicação Social; do Título VIII, Da Ordem Social], o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
A iniciativa cearense fez com que fossem lembradas as 10 (dez) constituições estaduais e a Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) que, ao se adaptarem à CF-88 no final dos anos 1980 e início dos 90, determinam a criação de conselhos estaduais de comunicação. Sem mencionar outros 5 (cinco) estados – inclusive o próprio Ceará – onde, apesar de não previstos nas respectivas constituições, já existiam (ou existiram) iniciativas para criação dos CECS (ver, neste Observatório, “Conselhos Estaduais de Comunicação: Onde estamos e para onde vamos”).
O caso do Distrito Federal
Nesse contexto, um grupo de antigos militantes pela democratização da comunicação do Distrito Federal, ainda antes do resultado das eleições de 2010, avaliou que, no caso de vitória do candidato apoiado pela aliança democrático-popular, finalmente deveria haver condições políticas de se retomar o processo de regulamentação do artigo 261 da LODF que prevê a criação do CECS-DF.
Esse processo havia sido iniciado, por óbvio, na própria inclusão da norma na LODF. Logo após sua aprovação, em junho de 1993, por iniciativa do deputado distrital Wasny de Roure (PT-DF), foi apresentado à Câmara Legislativa um projeto regulamentando o artigo 261. Paralelamente, o então candidato a governador Cristóvam Buarque (PT-DF, hoje PDT-DF) se comprometeu publicamente, em debate promovido pelo Sindicato dos Jornalistas, a apoiar a criação do CECS-DF. No seu governo, uma comissão foi criada pelo GDF para propor um projeto que tramitou na CLDF, mas nunca chegou à votação no plenário e acabou arquivado em 2003. Decorridos, então, mais de 17 anos, o CECS-DF não havia sido criado (ver, no OI, “Conselhos de Comunicação: Sopro de ar puro no DF”).
Confirmada a vitória de Agnelo Queiróz, o grupo de antigos militantes decidiu organizar um movimento com o objetivo específico de retomar a velha luta pela regulamentação do artigo 261 da LODF. Como o próprio nome estava a indicar, o movimento deixaria de existir no momento mesmo em que o CECS-DF se tornasse realidade. Constitui-se, então, o MPC – Movimento Pró-Criação do CECS-DF, em evento na CLDF, realizado em 3 de fevereiro de 2011.
O manifesto de criação do MPC foi originalmente subscrito por mais de oitenta entidades e personalidades e o evento de seu lançamento contou com a participação do secretário de Cultura, representantes da secretaria de Publicidade e das Mulheres, além de entidades e movimentos sociais do DF (ver aqui).
Em todosos contatos que conseguiu fazer com diferentes instancias do GDF – inclusive a secretaria de Comunicação – e com deputados distritais, o MPC encontrou simpatia pela ideia de regulamentação do artigo 261.
Logo surgiu, no entanto, uma novidade: ao contrário do que se acreditava até então, prevaleceu o parecer de juristas vinculados ao GDF e externos a ele, de que a iniciativa para criação do CECS-DF era exclusiva do Poder Executivo e deveria, portanto, partir de um projeto encaminhado pelo governador à CLDF. Um eventual projeto de iniciativa parlamentar, além de inócuo, seria fatalmente vetado por conter vício de origem.
De fato, desde a Emenda n. 44 de 2005, o inciso IV, do § 1º, do Artigo 71 da LODF reza:
Art. 71. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara Legislativa, ao Governador do Distrito Federal e, nos termos do art. 84, IV, ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, assim como aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Lei Orgânica.
§ 1º Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
IV – criação, estruturação, reestruturação, desmembramento, extinção, incorporação, fusão e atribuições das Secretarias de Estado do Distrito Federal, Órgãos e entidades da administração pública (Redação dada pela Emenda nº 44 de 2005 à LODF)
Confiando na correção dessa interpretação, o MPC optou por concentrar seus esforços na elaboração de uma minuta de projetoque fosse aceita pelo GDF e por ele encaminhada a CLDF.
O indispensável debate público – aberto, plural e democrático – em torno do eventual projetoaconteceria na CLDF, não só entre os(as) deputados(as) mas, sobretudo, por meio de audiências para as quais seriam convidadas todas as entidades e movimentos que historicamente envolvidos na luta pela democratização da comunicação no Distrito Federal.
Uma minuta de projetofoi de fato elaborada em colaboração com entidades e setores do GDF (ver aqui). No entanto, para nossa surpresa, o MPC não conseguiu entregá-la formalmente ao governador nem ao seu secretário de Governo. Depois de alguns meses de tentativas frustradas, optou-se por protocolar formalmente um ofício dirigido ao governador no Palácio do Buriti (o que foi feito no dia 13 de julho de 2011) encaminhando a minuta de projeto. A expectativa é que o ofício e a minuta fossem distribuídos, como de praxe, para os setores diretamente envolvidos, a começar, por óbvio, pela secretaria de Comunicação.
Oito meses depois do protocolo, o MPC não recebeu qualquer retorno do ofício dirigido ao governador. Ademais, as informações que obteve indicam que o ofício e a minuta do projetonão foram sequer distribuídos internamente no GDF, como deveriam ser. Ao contrário, estão parados em alguma gaveta da Secretaria de Governo, desde julho de 2011.
Quais lições podem ser extraídas desse processo?
O pressuposto do MPC era de que o novo governo do campo popular-democrático necessariamente teria vontade e condições políticas para promover – duas décadas depois – a regulamentação do artigo 261 da LODF de 1993.
Estava enganado.
Como já acontecera quase 20 anos antes, ao tempo do governo de Cristóvam Buarque, poderosos interesses impedem os governos do Distrito Federal de cumprir a LODF e instituir um Conselho que, como dezenas de outros em áreas de direitos fundamentais, seria apenas mais um órgão de “assessoramento do Poder Executivo na formulação da política regional de comunicação social”.
Na verdade, esses poderosos interesses não paralisam apenas o GDF. De todos os estados brasileiros, quase 24 anos após a promulgação da CF88, apenas a Bahia criou um CECS (ver “Conselhos Estaduais de Comunicação: a Bahia inaugura uma nova etapa”). E o Conselho de Comunicação Social, instituído pelo artigo 224 da CF88, como se sabe, funcionou durante apenas quatro anos e desde dezembro de 2006 está desativado (ver, neste Observatório, “Conselho de Comunicação Social: Cinco anos de ilegalidade”).
No GDF, tudo o que se acena hoje para os movimentos e entidades envolvidos na democratização da comunicação é a realização de um seminário sobre políticas públicas de comunicação. Adiado pela terceira vez, promete-se agora sua realização no final de junho de 2012. Vale dizer: quando estiver decorrido mais de um terço do tempo de seu mandato (18 meses de um total de 48), o governo democrático-popular do DF realizaria um seminário para iniciar o debate sobre suas políticas de comunicação, incluindo eventualmente a elaboração de um projeto para regulamentar o artigo 261 da LODF.
As mudanças virão das ruas
Em julho passado, analisando a forma como os principais grupos de mídia brasileiros reagiram ao escândalo envolvendo o grupo News Corporation, na Inglaterra, escrevi em artigo, publicado originalmente na Agência Carta Maior (“Mídia: as mudanças virão das ruas”):
“A resposta a essas questões [rejeição sistemática à democratização do setor e recusa ao diálogo] talvez esteja no poder de factoque a grande mídia consegue articular em torno de si mesma. Seus interesses estão de tal forma imbricados com aqueles das oligarquias políticas e de setores empresariais, que permanecem intocáveis.”
No mesmo artigo, todavia, chamei atenção para outro aspecto do que vem acontecendo no nosso país.
“O que a grande mídia não consegue mais controlar é o aumento da consciência sobre a importância do direito à comunicação nas sociedades contemporâneas. A exemplo das explosões populares que tem ocorrido em outras partes do planeta, sintomas do fenômeno começam a ocorrer aqui mesmo na Terra de Santa Cruz, com a fundamental mediação tecnológica das TICs.
“Para além do entretenimento culturalmente arraigado – simbolizado pelas novelas e pelo futebol – cada dia que passa, aumenta o número de brasileiros que se dão conta do imenso poder que ainda está na mão daqueles que controlam a grande mídia e que, historicamente, sonega e esconde as vozes e os interesses de milhões de outros brasileiros.
“É o aumento dessa consciência que vem das ruas que explica as pequenas e importantes vitórias que a sociedade civil organizada começa finalmente a construir.”
O comportamento do GDF em relação às políticas públicas de comunicação obrigou o grupo de antigos militantes que criou o MPC a reavaliar sua estratégia de atuação. Apesar de continuar acreditando que o CECS-DF se constituiria num espaço fundamental para o processo de democratizar as comunicações, o MPC, em respeito ao apoio que recebeu de tantas entidades e personalidades, decidiu ir para as ruas.
Queremos somar nosso esforço àquele de sindicatos, entidades e movimentos sociais que trabalham tentando traduzir para o maior número possível de pessoas o que de fato significa o direito à comunicação e o quanto lutar por ele através de políticas públicas democráticas do setor pode mudar a vida das pessoas.
Inclusive, um dia, no Distrito Federal.
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[Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos (Editora Paulus, 2011)]