Venício
A. de Lima (*)
“O povo inglês merece uma imprensa que assuma suas
responsabilidades seriamente e exerça os padrões profissionais reconhecendo que
a liberdade preciosa de que desfruta é um privilégio, não um
direito divino.”
A Comissão de Reclamações sobre a
Imprensa (Press Complaints
Commission, ou PCC, na sigla em inglês),
criada por empresários de jornais e revistas, é a agência autorreguladora da
imprensa no Reino Unido, em funcionamento desde 1991. Na arquitetura
institucional para o setor de comunicações naquele país, além da PCC, existe a OFCOM, autoridade independente e
reguladora para as indústrias de comunicações.
O escândalo relativo ao
comportamento criminoso do tabloide News of the World, do grupo
News Corporation, revelado em novembro de 2011, provocou não só a instalação de
uma comissão judicial para apurar e sugerir medidas para evitar a repetição dos
fatos como também uma indignação generalizada quanto à ineficiência da agência
autorreguladora.
Antecipando-se às recomendações
da comissão judicial, a PCC anunciou no dia 8 de fevereiro sua descontinuidade,
para dar lugar a outra agência com poderes de interferência mais eficazes. Nas
palavras do chairman da PCC, o Reino
Unido terá “pela primeira vez um órgão regulatório da imprensa com
dentes", embora não tenha divulgado os poderes e o mandato da nova
agência.
Na verdade, a promessa de uma
agência autorreguladora “com dentes” responde à acusação feita em depoimento à
comissão judicial pela escritora J.K. Rowling, autora de Harry Potter. Ela afirmou ser a PCC uma agência “sem dentes”, isto é, sem poder
efetivo de ação para coibir os desvios profissionais e éticos da imprensa.
E
o Brasil?
O registro do que se passa hoje
na Inglaterra, berço do liberalismo e de algumas das referências clássicas
sobre a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa, nos ajuda a entender
o atraso secular em que nos encontramos quando se trata de regulação (ou
autorregulação) no campo das comunicações.
Três exemplos:
1. À exceção do Conselho Nacional
de Autorregulação Publicitária (Conar) – “organização não governamental que
visa impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao
consumidor ou a empresas” –, não existe órgão autorregulador para nenhum setor
da mídia no Brasil. Mesmo assim, recente recurso ao Conar feito pela Secretaria
de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (aliás, não acolhido)
provocou irados e violentos editoriais e artigos na grande mídia, sob acusação
de interferência estatal, censura e fundamentalismo conservador. (**)
2. A Lei nº 12.485/2011, que
muito timidamente estabeleceu cotas para a produção nacional na televisão paga,
foi recentemente objeto de campanha publicitária do grupo SKY – leia-se Direct
TV e Globo –, que utilizou o falso argumento de que a Agência Nacional de
Cinema (Ancine) estaria querendo tomar das mãos dos assinantes o controle
remoto e decidir por ele qual a programação a ser vista. Além de um desrespeito
à inteligência do assinante, uma operadora estrangeira, associada ao maior
grupo de mídia brasileiro, se rebela publicamente contra uma lei cujo projeto
tramitou por mais de quatro anos no Congresso Nacional. Tudo porque são
estabelecidas normas de proteção ao conteúdo nacional, aliás, existentes nas
democracias contemporâneas que supostamente servem de modelo para a nossa.
3. E, por fim, a impossibilidade
da imensa maioria dos brasileiros de acompanhar as partidas de seus times na
Copa Libertadores das Américas, o principal torneio de futebol da América
Latina. O oligopólio no setor de TV paga e os interesses de seus poucos grupos
dominantes – exatamente a SKY e a NET (ambas associadas à Globo) – continuam a
contrariar a conhecida máxima do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos,
Byron White, estabelecida 43 anos atrás: “É o direito dos espectadores e
ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano”.
Por favor, leitor (a), julgue
você mesmo (a) o tamanho do nosso atraso.
Venício
A. de Lima é professor titular de Ciência
Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, entre outros livros, de
Regulação das Comunicações – História, Poder e Direitos; Paulus, 2011
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* Artigo publicado na revista
Teoria e Debate em 13 de março de 2012.
** Tratou-se de um anúncio da marca de calcinhas Hope estrelado pela modelo Gisele Bündchen
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